Chamada aberta para envio de artigos - pornografia e violentografia na literatura e na cultura brasileira: trânsitos e interseções

2024-12-18

A Revista Científica Sigma (ISSN 1980-0207), mantida pelo Instituto de Ensino Superior do Amapá (IESAP), disponível em: https://iesap.edu.br/ojs/index.php/sigma, convida a comunidade acadêmica a submeter artigo para eventual publicação mediante chamada de Dossiê intitulado Pornografia e violentografia na literatura e na cultura brasileira: trânsitos e interseções, em edição organizada pelo Prof. Dr. Markus Klaus Schäffauer (Universität Hamburg - Alemanha) ao lado da Profª. Mª. Natália Lima Ribeiro (Universität Hamburg - Alemanha). Destaca-se ainda o recebimento de texto de temática livre, a compor seção vária que integrará o referido número.

Este dossiê tem como objetivo explorar as representações da violência e da pornografia na cultura brasileira, em diferentes épocas e mídias, à luz de conceitos críticos que examinam como a violência e a sexualidade são narradas e visualizadas. O conceito de "violentografia", desenvolvido por Markus Klaus Schäffauer (2015), é central para essa discussão, pois se refere à descrição detalhada e sistemática de atos violentos em diferentes formas midiáticas, incluindo literatura, cinema, música e artes visuais. A "pornografia da violência", como discutida por Susan Sontag em Diante da Dor dos Outros (2003), também é um conceito relevante para entender como a repetição de cenas violentas e sexualizadas na mídia pode dessensibilizar o público, transformando o sofrimento em espetáculo e a intimidade em produto.

A "violentografia", como proposta por Schäffauer (2015), não se restringe à violência explícita, mas inclui suas manifestações simbólicas e estruturais, refletindo sobre as dinâmicas de poder e opressão. Da mesma forma, o conceito de pornografia pode ser expandido para além do consumo sexual, abrangendo questões de poder, controle e a exploração dos corpos e desejos. Ambas as representações—violência e pornografia—interagem frequentemente, especialmente em narrativas que exploram os limites entre o prazer, o sofrimento e o espetáculo.

Na literatura brasileira, Rubem Fonseca se destaca como um dos autores que melhor exemplifica essa interseção entre violência e pornografia. Em suas obras, como Feliz Ano Novo (1975) e A Grande Arte (1983), a violência gráfica é tratada de maneira quase voyeurística, enquanto a sexualidade é frequentemente apresentada de modo cru e sem ornamentos. Fonseca constrói um universo brutal em que o corpo é um campo de batalha e o prazer e a dor se entrelaçam de forma ambígua. A exploração da violência e do sexo em seus textos muitas vezes serve como uma crítica às estruturas sociais que perpetuam a alienação e a degradação moral.

Autoras contemporâneas, como Ana Paula Maia e Patricia Melo, também utilizam esses elementos em suas narrativas. Ana Paula Maia, em obras como De gados e homens (2013), trata da brutalidade do trabalho e do sacrifício animal como uma forma de desumanização, enquanto a violência física e emocional permeia as relações humanas. Patricia Melo, em Inferno (2000), faz uma abordagem igualmente impactante ao explorar como a violência e o sexo se cruzam no contexto urbano, levando ao extremo as tensões sociais e os limites da moralidade.

Além da literatura, o cinema brasileiro também retrata essas temáticas para explorar os limites entre violência e pornografia. Filmes como Tropa de Elite (José Padilha, 2007) e Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) apresentam cenas de violência explícita que questionam a moralidade do espectador e, em muitos casos, flertam com a estetização do sofrimento. Em um contexto diferente, o trabalho de Walter Salles em Abril Despedaçado (2001) utiliza a violência de maneira simbólica para explorar tradições culturais e vingança, conectando a violência ao desejo de poder e controle sobre o outro. Além disso, O filme Baixio das Bestas (2006), dirigido por Cláudio Assis, explora a vida rural pernambucana, mas foca especialmente nas relações sexuais intensas e conflituosas entre os personagens. A obra cinematográfica aborda questões de desejo, violência e desigualdade social, com uma visão crua e provocativa da sexualidade humana, transformando-a em um dos principais motores da narrativa

Na música, gêneros como o rap e o funk também tocam em temas de violência e sexualidade. Letras de Racionais MC's em álbuns como Sobrevivendo no Inferno (1997) não apenas retratam a violência cotidiana, mas muitas vezes sexualizam as dinâmicas de poder e marginalização, oferecendo um paralelo com o conceito de pornografia enquanto fetichização do sofrimento.

Este dossiê, portanto, pretende investigar como as representações da violência e da pornografia no Brasil — em seus diversos períodos e expressões artísticas — não apenas refletem realidades sociais, mas também atuam como dispositivos críticos que desafiam o leitor, espectador ou ouvinte a reconsiderar suas percepções sobre o sofrimento, a sexualidade, a injustiça e as estruturas de dominação. Através da análise dos conceitos de violentografia e pornografia da violência, espera-se contribuir para um debate mais amplo sobre o papel dessas representações nas diferentes formas de arte e comunicação ao longo do tempo.

Eixos temáticos
  • Fronteiras e Interseções: Violentografia e Pornografia na Literatura Contemporânea
    Análises que exploram os pontos de convergência e divergência entre as representações de violência e pornografia na literatura contemporânea, com foco nas novas mídias e influências culturais.
  • Pornografia e Violência de Gênero: Reflexões Literárias
    Abordagens que discutem a intersecção entre violência de gênero e pornografia na literatura, considerando as implicações sociais e políticas dessas representações.
  • Narrativas de Trauma e Erotismo: Violência Psicológica e Sexualidade
    Discussões sobre como a literatura aborda a violência psicológica e o erotismo, com foco em autores que trabalham o trauma como tema central.
  • Política do Corpo: Violência, Pornografia e Subjetividade
    Reflexões sobre o corpo como campo de batalha nas narrativas literárias, discutindo como a pornografia e a violência são formas de controle e resistência em contextos literários.

Referenciais Teóricos

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Prazo para recebimento dos manuscritos: 31 de abril de 2025.

Previsão para publicação do número: 30 de junho de 2025.

 

Organizadores

Prof. Dr. Markus Klaus Schäffauer (Institut für Romanistik - Universität Hamburg, Alemanha)

Profª. Mª. Natália Lima Ribeiro (Institut für Romanistik - Universität Hamburg, Alemanha)